Ódio, inveja e vingança cruzaram o caminho de Kawany e Suziane

Ódio, inveja e vingança cruzaram o caminho de Kawany e Suziane
Por: Dilmercio Daleffe

Dilmércio Daleffe

Duas jovens e bonitas mulheres. Uma está morta. A outra, viva, mas presa. A primeira é Kawany. Tinha tudo o que uma jovem almejava: Jóias, beleza e dinheiro. Nasceu em berço de ouro, sendo filha de um juiz. Com traços marcantes, ainda sustentava uma forte personalidade. Aos 23 anos, morava na Avenida Tiradentes, 1525, na Vila Guaíra, em Goioerê. A segunda é Suziane Ferreira dos Santos, da mesma idade. Além de vizinha, era amiga. Mas, não teve a sorte da primeira. Nasceu pobre. Residia na casa 1567. Quis o destino, que o próprio sustento fosse através de uma “boca de fumo”. O tempo ditou a proximidade entre as duas. As confidências. E, depois, a inveja e o ódio. A vingança foi meramente uma consequência da tragédia que, poderia acontecer. E aconteceu.

Três anos antes do crime, Kawany passou a morar com Rubens, o pai de seu único filho, hoje, com dois anos. Juntos, viviam em função da criança. Mas no dia 03 de agosto de 2020, o recém nascido foi encontrado abandonado em uma calçada, num bairro de Goioerê. Era a deixa às más notícias. O casal havia desaparecido. No rastro do mistério, o carro foi encontrado incendiado. Estava estacionado numa beira de mato, na vizinha Moreira Sales. Começava aí uma busca incessante por respostas.

Kawany Grejanin Cleve Machado era a mais velha dos cinco filhos de Valdileia Conceição Grejanin, 44. Ela e Rubens não eram casados. Em comum, o amor, a cumplicidade e o filho. Um casal bonito. Segundo a família, viviam em harmonia. Embora, na ficha criminal do companheiro, conste agressão física contra Kawany. A menina linda, tinha uma pensão generosa do pai, juiz morto em 2009. Rubens Biguetti, sem renda fixa, vivia da venda e compra de carros usados. Negócios esporádicos. Mas com a chegada do filho, acabou “babá”, como disse a avó, Valdileia, que gosta de ser chamada apenas por Léia. “Ele cuidava muito bem daquele menino. Dizia pra ele que tinha virado babá de bebê”, lembrou ela.

Na noite do dia 03 de agosto, a criança foi encontrada num gramado, em frente a uma residência, na rua Contorno Norte. Estava enrolada num cobertor, coincidentemente, ao lado da casa de uma amiga de Suziane. Uma outra vizinha, após ouvir o latir dos cães, olhou para a rua. E viu o bebê chorando. Sem hesitar, chamou a polícia. Horas depois, Léia soube do caso. E buscou a criança. Começavam aí muitas perguntas. E nenhuma resposta.

“Não deixariam aquela criança por nada no mundo. Meu irmão era apaixonado pelo filho”, relatou a irmã de Rubens, Alexandra Biguetti. Buscando saber o que havia acontecido, a mãe de Kawany foi até a residência do casal. Tudo estava de ponta cabeças. Vários objetos foram levados. Microondas, batedeira, jóias. O furto era consequência direta do sumiço do casal. Segundo informações, um dos detidos pela polícia, ainda em setembro, pode ter feito o arrastão com o apoio de Suziane. Juntos, se aproveitaram da casa vazia, atuando como ratos no escuro.

Kawani era linda. Lembrava a beleza de atrizes latino americanas, dos filmes de Quentin Tarantino. Saía pouco. Apenas para refeições externas. Ou ir a um pesqueiro da cidade, um hobby peculiar. De alma jovem, tatuou o corpo diversas vezes. A personagem Malévola, foi estampada no braço esquerdo. Na vida real, quanto na ficção, personalidades fortes. Mas, mesmo com tantas cores no corpo, a beleza acabava ofuscando a pintura dos braços, pernas e peito. E olha que as tatoos eram muitas. “Ela era muito linda. Esse era o problema”, disse a mãe.

Antes de ser mãe, Kawany não era das mais fáceis. O histórico policial é generoso. Desde 2015, muitas passagens por agressão. No jargão policial, as famosas “vias de fato”. Em 2019, foi detida por posse e porte ilegal de arma, de uso restrito. Uma pistola 9 milímetros. Conta a mãe, que a filha havia pegado carona com um rapaz. Ele usava uma tornozeleira. E era o dono da pistola. Mas a menina comprou a bronca e assumiu a arma. Desta vez, agora, era Kawany quem passava a usar o dispositivo. Ficou com o acessório por cinco meses. Em suas redes sociais, fez pose com ela. “Aqui em Goioerê é normal usar a tornozeleira. Só não fica preso. Mas tornozeleira tem de penca”, disse Léia.

Em 2018, Kawany respondeu por desobediência e resistência a um cumprimento de mandado judicial. A moça era uma espécie de a “Bela e a Fera”, mas numa só pessoa. A mãe explicou que as brigas aconteciam mesmo. “Ela era invejada pelas outras meninas. Sempre teve tretas com as outras. Além de ser muito bonita, andava de carrão. Usava jóias. Sempre bastante perfumada e arrumada”, disse. A mãe relata uma filha maravilhosa, com um coração maior que ela mesma. “Os irmãos a adoravam. E ela, a eles. Sempre nos demos bem. Não haviam brigas entre nós”, lembra.

Léia afirma que a filha se dava bem com todos. E não de via nada a ninguém. Para ela, o companheiro da filha, Rubens, era como um filho mais velho. “Nunca tive problemas com ele. O aconselhava”, disse. Hoje, o bebê está bem e continua com ela. Afinal, no colo de vó, sempre cabe mais um. Conhecidos, revelam que o casal era bastante temperamental. Não fugiam de conflitos, principalmente, por não levarem desaforos pra casa.

O PAI

O pai de Kawany, João Luiz Cleve Machado, foi juiz por 17 anos. Passou por Umuarama, Altônia e Cianorte. Época que se separou de Léia. Mas em 2009, já sozinho, foi encontrado morto em casa, em Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba, onde atuou pela última vez. Tinha apenas 42 anos e morava sozinho. Na ocasião, teria sido vítima de uma queda da escada de sua residência. Um acidente doméstico. Bateu a nuca. Não resistiu. Léia disse que a filha era bastante próxima do pai.

Após o desaparecimento de Kawany, a mãe passou dias a ajudar nas buscas. Se embrenhava em matas. Uma busca incessante, mas sem rastros. Ela sempre acreditou se tratar de uma emboscada. No dia do desaparecimento, a filha havia combinado com a irmã mais nova em apanhá-la. Juntas, iriam a uma cachoeira, no Rio Piquiri. Mas teria dito que, antes, iria com Rubens falar com uma pessoa. Naquele dia, Kawany e Rubens foram. Mas nunca mais voltaram.

No dia três de agosto, o casal foi visto pela última vez pelo padrasto de Kawany. Ele teria ido até a residência do casal, por volta das 18h. O desaparecimento aconteceu entre este horário, e as 21h. Momento em que o bebê foi abandonado. Mesmo com uma pensão generosa, Kawany optou em morar numa casa simples, na Vila Guaíra. Em alvenaria e, com muros altos, o imóvel já pertenceu a um antigo pistoleiro da cidade, Admilson de Souza Pereira, o “Paraíba”. Ex chefe de almoxarifado da prefeitura, ele ficou conhecido pelo atentado contra a vida do então prefeito José Paulo Novaes, ainda em 1995. Na época, errou os tiros, matando a comerciante Neuzely Farias.

RUBENS

Rubens, segundo a irmã, vivia como autônomo. Comprava e vendia carros. Era também motorista de máquinas pesadas. Como a companheira, mantinha muitas tatuagens. Eram vários desenhos, nome do filho e de Kawany. Os pais eram separados e tiveram outros filhos. De outras relações. O pai sofreu um AVC no passado e está acamado até hoje. Segundo Alexandra, a irmã, Rubens o visitava todos os dias. Muito para ajudar nas funções. “Ele cuidava do meu pai. Dava banho. O trocava. Também almoçava lá”, disse.

Em 2012, Rubens começou a trabalhar numa usina de açúcar e álcool de Goioerê. Permaneceu lá até 2015. Foi quando caiu a acusação de roubo em uma propriedade rural. Segundo Alexandra, ele havia alugado um carro. Mas o emprestou a um colega. O veículo foi utilizado na ação. Foi preso. Mas no decorrer do tempo, acabou absolvido. Imagens mostraram que estava na cidade durante o roubo. “Sua inocência foi provada”, lembrou Alexandra.

Na vida ao lado de Kawany, Rubens a idolatrava. E tinha muitos planos. Conta a irmã, que queriam comprar um caminhão, daqueles com cama. A ideia era colocar o filho e a mulher na cabine e vazar no mundão. Trabalhar e ganhar dinheiro. Alexandra também relata um irmão avesso ao álcool. Tomava apenas refrigerantes. E preguiçoso. Nunca gostou de praticar esportes. “Gostava de comer bem. Mas tinha gosto infantil”, explica.

VINGANÇA E INVEJA

Suziane e Kawany eram amigas. Além de vizinhas, tornaram-se inseparáveis. Duas belas mulheres, mas com personalidades diferentes. Com grana, Kawany se vestia bem. Costumava comprar roupas numa loja de grife, em Goioerê. Suziane tentou imitá-la. Passou a buscar peças parecidas, na mesma empresa. Também teria confidenciado a uma pessoa, desejar um relacionamento com Rubens, o marido da amiga. É claro que não daria certo. A “fofoca” chegou aos ouvidos de Kawany. A partir daí, as duas se afastaram.

De acordo com as investigações, Suziane tinha inveja de Kawany. E, ao mesmo tempo, tentava obter tudo o que a amiga possuía. Inclusive, o companheiro. “Minha filha relatava que Suziane queria ser ela. Queria ter a roupa dela. Queria ter o marido dela. Queria ter a vida dela. Isso ela se queixava”, revelou Léia.

As desavenças entre as, agora, inimigas, se desenvolveram através das redes sociais. Suziane provocava. Kawany fazia o “kkkkkkk”. O limite da barbárie começou a ser desenhado no dia 9 de julho de 2020. Foi quando a polícia fez buscas na casa de Jonata, o companheiro de Suziane. Ele foi preso em flagrante por posse de arma e drogas. Pronto, foi o estopim da tragédia. Era o que faltava para Kawany ser acusada pela ex amiga, como a delatora da ação. Na gíria policial, uma “X-9”.

Kawany e Rubens passaram a receber ameaças já, no dia seguinte. E, as juras de morte, foram informadas aos seus familiares. De acordo com testemunhas, Kawany teria revelado que Suziane, através do portão, teria a ameaçado de morte. “Ela teria dito para Kawany se considerar como uma pessoa morta”. No momento, Suziane estaria com um sorriso dissimulado, feliz. Como se comemorasse uma vitória.

E, as promessas, se confirmaram. No dia três de agosto, o casal desapareceu e nunca mais foi encontrado. É que, no mundo do tráfico, não existe espaço para “X-9”. Um mundo sem perdão, sem segundas chances. E este foi o preço a pagar, mesmo sem saber efetivamente, se Kawany havia delatado Jonata. No entanto, com relações estremecidas, kawany passou a ser responsabilizada por todas as desgraças da vida de Suziane.

PONTO DE DROGAS

De acordo com as investigações, enquanto Jonata estava preso, Suziane passou a comandar o ponto de drogas. Ela contava com a ajuda de Alessandro Benatti, o conhecido “Mohamed” e Mauro, o temido “Ceará”. Juntos, segundo a polícia, passaram a movimentar a “boca”. Ao mesmo tempo, também, segundo as denúncias, foram os três, os autores do plano de execução do casal. Eles suspeitavam que as vítimas haviam delatado o tráfico. Conversas obtidas no celular de Suziane, mostraram os diálogos.

A um amigo, antes de desaparecer, Rubens confidenciou ter sido ameaçado por “Ceará”, através de ligações. No dia 31 de julho, três dias antes de sumir, também recebeu a “visita” indesejada de “Mohamed”. Naquele momento, também teria sido ameaçado de morte. Com medo, Rubens planejou comprar uma arma para defender a própria família. O que ele não sabia, é que estaria prestes a ser atraído a uma emboscada. O preço a pagar pela arma: a vida dele e de Kawany.

Para a polícia, juntos, os três denunciados colaboraram para executar o casal. Rumores indicam que Kawany e Rubens foram rendidos ainda dentro de casa e depois, levados a um local ainda indeterminado. Embora mencionada na denúncia, uma amiga de Suziane teve menor participação. Ela teria atuado para cuidar do filho do casal e depois, o colocado em local público, até ser encontrado. A criança, coincidentemente, foi localizada ao lado de sua casa.

Embora a trama tenha sido desvendada, os corpos até hoje não foram encontrados. O que atormenta a família. Uma dor sem fim. No início de 2021, novas denúncias chegaram à polícia. Indícios apontavam que os corpos poderiam estar no quintal de uma casa, em Umuarama. A mesma em que moraram dois dos suspeitos presos. No entanto, durante a escavação, foram localizadas apenas algumas peças de roupas. A família afirmou que não pertenciam a Rubens. “Nós nunca paramos de procurá-los. Sempre que há qualquer informação, vamos atrás”, disse Alexandra Biguetti.

Em 06 de maio de 2021, Mauro José Cavalcanti Sobrinho, o vulgo “Ceará”, foi encontrado morto em uma das celas da Penitenciária de Cruzeiro do Oeste. Ele aguardava o julgamento. Pode ter sido vítima de enfarto. A ele recaía a denúncia por homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver. Morreu, levando com ele onde deixou os corpos.

CONDENAÇÃO

Kawany e Rubens tinham uma vida toda pela frente. Morreram muito jovens. Desfrutaram pouco a vida e deixaram um bebê. Existe a possibilidade de Kawany ter sido assassinada ainda grávida. Mesmo não existindo corpos, Suziane e Alessandro Benatti, o Mohamed, foram condenados a 38 anos de prisão, como mentores do crime. O júri popular entendeu que Suziane arquitetou o crime e Alessandro, o executou.

O inquérito foi concluído pelo delegado Adailton Ribeiro Junior. Um carioca que deixou o mar de areia, para viver num mar de soja. Nos rincões do Paraná, o eterno torcedor do Fluminense se mostrou bastante recatado em todo o processo investigativo. Falou pouco. Trabalhou bastante. Foram 89 dias de investigações. E colaborou à uma sentença pesada aos integrantes da trama.

SENTIMENTO

Mesmo com a condenação, para Léia, o sentimento ainda é de impunidade. “Queria estar aqui com a minha filha viva agora. Não queríamos estar passando por nada disso”. Para ela, a pena veio leve. “Deviam ter pego pelo menos 50 anos de cadeia, pra ver se me entregavam o corpo da Kawany”, revelou. Mesmo assim, ainda com o coração dilacerado, ela afirma que não irá parar de lutar. “Meu propósito de vida é localizar o corpo da minha filha. Sei que vou encontrar, mais cedo ou mais tarde”.


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