Luiz morreu. Ficaram as lições

Luiz morreu. Ficaram as lições
Por: Dilmercio Daleffe


Há anos, Luiz fez suas próprias escolhas e decidiu pelas ruas. A decisão veio após a morte da mãe. Desde então, jamais aceitou ajuda de parentes. De certo modo, não desejava incomodar. E, agora, à mercê do tempo e do mundo, optou ter vários amigos, todos caninos. Luiz não tinha nada. Bens, dinheiro, casa. E o que ganhava, ainda compartilhava. As marmitas recebidas, as dividia com os seguidores, os cães. Ele sempre foi assim. Um homem simples, de coração puro, sem maldades. Mas esta semana, a população de Cianorte foi pega de surpresa: ele morreu.

Luiz era daquelas pessoas, em situação de rua, bastante conhecidas. Sempre foi de Cianorte. Não era um forasteiro. Na cidade, tinha família. Mas, mesmo oferecendo ajuda, ele insistia não recebê-la. Em janeiro de 2019, Luiz ficou ainda mais conhecido. No dia 02, ele precisou ser levado ao Pronto Socorro da cidade. Teve princípio de AVC. Mas se recuperou. No entanto, o fato ali dizia respeito aos seis cachorros que o acompanhavam. Juntos, o seguiram atrás da ambulância, até a unidade hospitalar e lá, permaneceram, à espera do companheiro. Na calçada, ficaram unidos, um ao lado do outro, numa espécie de, busca por notícias. Torcendo por sua recuperação. Um dia depois, ao ter alta, a vida seguiu. Luiz estava de volta às ruas, ao lado dos bichos.

Célia Rodrigues, cunhada de Luiz, conta que ele morreu na última quarta, vítima de câncer na garganta. Foi internado em dois hospitais da cidade. Por último, enviado a Maringá. Lá, chegou com pneumonia. Durante o tratamento, sofreu outro AVC. E não suportou. Na sua jornada, dormia sob marquises da cidade. Às vezes, num supermercado. Outras, ao lado de edifícios, da área central. Muita gente colaborava. Chegando a ajudar com marmitas a ele e aos cães. Quando ganhava apenas uma, a dividia com os amigos. Luiz era a prova viva da amizade entre cães e humanos. E, em tempos de ódio, se comportava como um pacificador.

Luiz morreu aos 62 anos. Veio de uma família pobre. Eram nove irmãos. O pai desapareceu. Era véspera de ano novo. Saiu de casa e nunca mais voltou. Mesmo buscando informações, a família jamais obteve pistas de seu paradeiro. A mãe viveu até 2005. Luiz era o companheiro dela. Viviam apenas os dois na casa. No entanto, depois do falecimento, ele nunca mais foi o mesmo. “A morte dela marcou muito Luiz. Foi assim que ele decidiu abandonar tudo e ir para a rua”, explica Célia.

Vaidoso por natureza, Luiz sempre foi o reflexo da boa higiene. Pelo menos, até 2005. Tomava muitos banhos por dia. Gostava de se arrumar. Certa vez, começou a namorar uma moça do interior de São Paulo. Mas deu tudo errado. Depois de terminarem o relacionamento, passou a ficar “meio” desleixado. Mas, com a morte da mãe, a coisa desmoronou de vez.

Certo de sua decisão, adotou as ruas como lar. Foi uma mudança radical. Passou a ser um sem teto. Mesmo com família na cidade. “Por muitas vezes chamávamos para morar com a gente. Principalmente, em dias de frio. Jamais aceitou. Pensava muito em seus cães”, disse a cunhada. Os bichos, de certa forma, foram o alicerce para a sua estada nas ruas. Segundo relatos, Luiz dizia que eles cuidavam dele. E ele, deles. Uma espécie de arroz com feijão. Uma composição difícil de entender. Principalmente, num mundo onde invisíveis, são desprezados. Mas, para quem o conhecia, tratava-se apenas de um homem sensível demais a ser compreendido. Um humano zeloso por animais. Nada mais que isso.

Pode-se dizer que a vida delimitou dois “Luiz”. Um, antes da morte da mãe. O outro, depois dela. O primeiro trabalhava. Fazia de tudo. De família humilde, estudou somente até a terceira do fundamental. Tinha planos em arrumar esposa. Constituir família. O segundo, preferiu abdicar do modo normal. Esqueceu-se dos rituais da sociedade. Ou seja, decretou a própria revolução. Passando a viver num mundo paralelo, onde a principal preocupação, era apenas com os amigos caninos. Foi a sua escolha. E julgá-lo por isso, definitivamente, não faz mais sentido.

Embora nas ruas, Luiz jamais tornou-se agressivo. Ao contrário. Segundo pessoas ouvidas, era gentil. Um homem educado. Não roubava. Não cometia delitos. Chegava ser até inocente. Ao mesmo tempo em que cuidava de seus amigos, recebia a amizade, agora, da população. Por muitas vezes, Luiz dormia na praça local. E, para uma senhora, que não quis ser identificada, ele vai fazer falta. Muita falta. “Sempre foi uma pessoa de bom relacionamento. Gentil. Vou sentir falta dele”, disse.

Em 2019, depois de receber alta do hospital, Luiz foi levado para a casa do irmão. Lá, recebeu uma cama. Roupas novas, banho e muitos cuidados. Mas, mesmo com tanto carinho, preferiu dormir na parte exterior da residência. Ao acordar, noutro dia, foi levado até o hospital novamente. É que os amigos – seis cães -, continuavam na porta, em frente a entrada. “Os bichinhos não viram ele saindo. Então continuaram por lá. Mas assim que voltou, todos eles o acompanharam”, disse Célia. A sua devoção pelos cães era tanta que, determinadas vezes, voluntários tiveram que intervir. Isso porque, algumas pessoas doaram seus próprios animais a Luiz.

Mas ele não estava sozinho, humanamente falando. Embora não aceitasse ajuda da família, muito anônimos colaboravam. Existiam pessoas que cuidavam de suas roupas. Doavam ração aos animais. Ofertavam comida a ele. Outros, também tratavam dos cães. Ou seja, quando algum estava ferido, sempre existia atenção de voluntários. Mas, agora, a ajuda não será mais necessária.

Luiz Otaviano Siqueira foi enterrado na última quarta, no cemitério de Cianorte. Não teve velório, muito em decorrência da pandemia. A maioria dos irmãos – moram distantes – não pode comparecer. Foi uma cerimônia simples. E rápida. Não mais que sete pessoas e, nenhum cão. Os amigos estão bem. Foram acolhidos por uma família que ajudava Luiz.



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